sexta-feira, maio 10, 2024

Tango: entre Bernard Prince e XIII

A aventura, o mistério, o exótico, o erótico, a violência – tudo isto faz parte da BD, tal como da vida, por certo em doses desproporcionais, Está muito bem a autoficção, o didáctico, o social e politicamente empenhado, nada se exclui – até porque o primeiro grande autoficcionista dos quadradinhos, Will Einer, foi também ele autor de criaturas sensacionais, como The Spirit; mas a vida confortável e modestamente burguesa que até agora temos tido nas sociedades ocidentais não é compatível com altas cavalarias. Ser voluntário em teatro de guerra ou missionário numa favela de Manaus não é para todos; e a não ser que a guerra nos bata à porta, como parece ser do interesse de alguns, todos precisamos de escapismo, de viagens interiores, para fugir ao tantas vezes estúpido quotidiano.

Tango foi publicado pela primeira vez em 2017 pelas Éditions du Lombard, de Bruxelas, com argumento de Matz (Rouen, 1967) – de quem já falámos a propósito de LeTueur / O Assassino – e Philippe Xavier (Bordéus, 1969), que assina também os desenhos, autor com uma paleta diversificada na BD de género, da Idade Média e do Fantástico à contemporaneidade, incluindo o magnífico XIII, criação de Van Hamme e William Vance. Há em Tango muito deste lastro franco-belga, entre Bernard Prince (de Hermann e Greg) e aquela magnífica personagem em busca de si própria.

Nova série e novo herói em edição portuguesa, a capa de um primeiro álbum é um cartão de visita importante, tanto mais que já não estamos no tempo em que as histórias se estreavam primeiro nas revistas, só depois, saíam em livro, já com nome feito. E o que vê é promissor: um solo desértico gretado, dum branco sujo ou anilado que reflecte a chapada de azul do omnipresente e opressivo céu do deserto. Em primeiro plano, o herói, Tango, de pistola na mão esquerda, encostado a um velho chaço que parece ter claudicado; e no tejadilho, um pré-adolescente pensativo.

Perto de um lugarejo perdido da cordilheira dos Andes, um gringo ainda relativamente jovem vive há uns anos sozinho, socializando, no entanto, com os autóctones, ajudando, pagando rodadas, contando anedotas. Por actividade conhecida, a recolecção de vestígios arqueológicos ameríndios, nada de particularmente estranho para os indígenas. O convívio estende-se também a Agustina, dona do bar local e gostosíssima viúva que torna menos melancólicos os dias de Tango. Este, por vezes, tem nas prospecções a companhia de um rapaz, filho de um vizinho, também ele vivendo isolado nas imediações da vilória.

Nada é o que parece, todos têm algo a esconder: o protagonista, o vizinho, e mesmo Agustina. Tudo se complica quando Tango vê carros desconhecidos parados junto da casa do jovem companheiro de pesquisas; e ainda se emaranha mais quando uma mulher, acompanhada de sicários, começa a fazer perguntas sobre o gringo no estabelecimento de Agustina. Uma série a acompanhar. (Maio de 2022)


Tango – 1. Um Oceano de Pedra

Texto: Matz e Philippe Xavier.

Desenhos: Philippe Xavier.

Edição: Gradiva, Lisboa, 2021.







quinta-feira, maio 09, 2024

Billie Holiday, «I Cried for You»

1 verso de Helder Macedo

 «a noite a luz a sombra a madrugada» Viagem de Inverno (1994)

quadrinhos

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quarta-feira, maio 08, 2024

sofismas 'woke'

Sou leitor assíduo de Paula Cardoso, apesar de muitas vezes, ou quase sempre, discordar dela. Com isto, já estou a fazer um elogio à sua escrita e à sua profundidade, uma vez que me prezo de ser leitor exigente, sendo poucos os cronistas que não dispenso, concorde ou não com eles, como, para me ater ao DN, Viriato Soromenho Marques e Luís Filipe Castro Mendes, ou, no resto, a brilhantíssima Carmen Garcia, ou Henrique Raposo, José António Saraiva, Miguel Sousa Tavares, pelas mesmas ou outras razões. Como se vê, sou ecléctico. Cresci, como leitor, a ler os melhores: Augusto Abelaira, Eugénio Lisboa, Henrique Barrilaro Ruas, Vasco Pulido Valente ou Vítor Cunha Rego -- nunca perdendo de vista que a crónica é um nobre género jornalístico mas também literário, e que o seu inultrapassado cultor foi (e é) Eça de Queirós.

Leio-a sempre que me aparece, e raramemte concordo, pois parte do pressuposto, para mim errado, de que em Portugal os negros são objecto de racismo por serem negros -- provavelmente sistémico, importação de uma americanice que não se aplica a Portugal, mas aos estados americanos, como Brasil e Estados Unidos, cuja economia se alicerçou em mão-de-obra escrava. Em Portugal há racismo, sim, mas os seu alvo é a comunidade cigana; há xenofobia (aversão, geralmente causada por medo do desconhecido), que talvez possamos considerar uma espécie de racismo, mas as suas vítimas tanto são brasileiros e cabo-verdianos como moldavos ou ucranianos, não tem que ver com a cor da pele. E há, de facto, um racismo classista, que atinge os pobres, que são de todas as cores, mas com especial incidência nos imigrantes, obviamente os mais pobres e desprotegidos. Vivo num bairro de classe média, entre a média-baixa e a média-alta. A realidade que observo desmente-o quotidianamente; mas não quero desvalorizar episódios pontuais de racismo, nem o sofrimento que eles causaram a quantos o sofreram. O meu ponto, empírico, é a de que o racismo em Portugal tem aqueles contornos, e não os que nos vêm sendo impingidos por via anglo-saxónica.

Mas não é essa a questão que motiva este post, antes o característico argumentário woke, ou seja, de distorção da realidade e ocultação de aspectos menos palatáveis do pobre wokismo. A dada passo, a cronista escreve que este passou 

«a ser entendido como expressão de um movimento extremista, que prega a sua superioridade moral através de ideias progressistas que pretende impor aos outros. / É também por causa desta ficção narrativa que o racismo e o argumentário anti-imigração se propagam. Defender Direitos Humanos tornou-se “woke”. Lembrar que as vidas negras importam tornou-se “woke”. Recordar que todas as estatísticas desligam o fenómeno da criminalidade da imigração tornou-se “woke”. Combater ataques contra imigrantes tornou-se “woke”. Denunciar o racismo tornou-se “woke”.»

Vejamos. Só o tema do alegado progressismo das ideias -- frequentemente associadas a uma prática pública de censura e cancelamento -- daria um ensaio substancial. 

Vamos antes aos sofismas e até às mentirolas. 

Com que então, defender os direitos humanos tornou-se woke? -- resta saber se todos temos o mesmo entendimento do que sejam direitos humanos, ou melhor, de que forma eles se salvaguardam e aplicam -- e não temos. Há tempos, uma antiga deputada do BE dizia que a questão ponderosa das casas de banho para transnão-sei-o-quê era uma questão de direitos humanos, um problema que afecta 0,000001 dos jovens e que qualquer escola digna desse nome resolve com a maior das facilidades, como a resolveu a escola que os meus filhos frequentaram -- com bom senso, algo que a senhora BEwoke não tinha, até porque o que ela no fundo queria era criar um caso, fazer activismo.

Defender que as vidas negras importam, também se tornou woke? Extraordinário...

Recordar que todas as estatísticas desligam o fenómeno da criminalidade da imigração também? ? Eu devo viver noutro planeta.

Combater ataques contra imigrantes tornou-se “woke” ainda -- delirío, ou intenção de associar o pensamento crítico à extrema-direita? este tipo de associações espúrias parecem ter sempre bom acolhimento. Por exemplo, o governo do Netaniahu fá-lo, e até com sucesso junto dos mais sensíveis e medrosos, quando sustenta que criticar o governo de israelita é uma manifestação de antissemitismo.

Finalmente, de acordo com Paula Cardoso, "denunciar o racismo tornou-se woke". O despropósito (ou vitimização?) anula-se a si próprio.

Os wokes são useiros e vezeiros no distorcer da realidade, de modo a servir o seu "activismo". São inclusivamente manipuladores e censores. O que é woke, é, por exemplo, retirar das bibliotecas as bandas-desenhadas do Astérix e do Lucky Luke, já nem me lembro porquê; censurar os livros da Enid Blyton; querer reescrever os textos de Mark Twain ou Monteiro Lobato, retirar obras de arte de museus e galerias -- isto não é progressismo, é censura e reaccionarismo à soltaO que é woke é ser-se anacrónico em História, com opiniões semianalfabetas sobre os Descobrimentos (historiador-woke é um oxímoro). O que é woke é a criação de palavras e expressões estúpidas como presidenta ou dizer portuguesas e portugueses. -- e um longo etecetera. 

Tudo pode e deve ser debatido, mas com boa-fé.

150 portugueses: 46-50

46. Salvador Correia de Sá (1602-1688). Notável cabo-de-guerra, mas também governador e explorador, é uma figura fulcral do Século XVII nas histórias de Portugal (Guerra da Restauração), Brasil e Angola, em especial no combate aos holandeses. Se houve alguém que delineou o triângulo do mar -- Lisboa - Rio de Janeiro - Luanda --, foi ele.

47. Vitorino Nemésio (1901-1978). Extraordinário poeta, um dos grandes do século, ensaísta, investigador, professor e comunicador, é autor do que será porventura o maior romance português de sempre, Mau Tempo no Canal (1944). 

48. D. Afonso IV (1291-1357). Figura shakespeareana, foi rei guerreiro num período complicadíssimo da política ibérica, cujo vórtice tragou Inês de Castro.

49. Carlos de Seixas (1704-1742). Um compositor apolíneo, moderno e portuguesíssimo ao mesmo tempo, cuja música nos define. O seu Concerto para cravo será a nossa obra-prima do Barroco.

50. D. Duarte (1391-1438). Príncipe guerreiro e rei filósofo, figura apaixonante de homem e monarca.

2 versos de Fernando Namora

«O pecado é humano portanto sejamos pecadores e / a pecar nos santifiquemos» Marketing (1969)

caracteres móveis

«Como o carreiro avançasse, agora, por trecho plano, de urgueira, tojo e carqueja, esporeou a besta e pô-la a trotar.» Ferreira de Castro, Terra Fria (1934)

«Mal se achou fora, entre os trigos altos e pujantes, túmidos de seiva, feriu-o logo uma impressão profunda de grandeza.» Manuel Ribeiro, A Planície Heróica (1927)

«Podia tornar a casar-se, que a cobiçavam muitos por mulher limpa de costumes e provada no governo da casa, e retraiu-se.» Aquilino Ribeiro, Volfrâmio (1944)

terça-feira, maio 07, 2024

Duke Ellington, «Body and Soul»

ucraniana CCXL - estão aflitos com a Rússia, e vão pedir ajuda à China -- quão patético pode ser-se?

Os próceres da UE -- Ursula e cãezinhos, mais o inacreditável Macron, entre outros anões --, conduzem-nos, ineptos e mentecaptos, num caminho que se estreita cada vez mais, enquanto Rússia e Estados Unidos não decidirem parar ou avançar com a guerra na Ucrãnia. Aflitos à frente do mundo inteiro, pedem à China que convença a Rússia a isto e mais aquilo. Com a Europa à rasca com o imbróglio para que se deixou arrastar, com os Estados Unidos em indefinição, excepto no que respeita à Formosa, território chinês, ainda por cima, com o qual ameaçam mais ou menos veladamente a China, está-se mesmo a ver que XI Jinping irá fazer o jeito a estes dois patéticos patetas.

Lembro-me de quando o mote dos comentadores de meia-tigela era minimizar a Rússia, com risinhos sobranceiros -- fazia parte da propaganda burra americana, como se a menorização da Rússia junto da carneirada no Ocidente garantisse, só por si, qualquer espécie de vantagem. Cheguei a ouvir uns asnos qualificarem a Rússia como um satélite da China. Chama-se a isto bronquite académica.

Essa abordagem parece já ter passado, e agora temos o "perigo russo" (um perigo criado pelo Pentágono, a caminho de mais uma derrota estratégica no seu já longo cadastro). Estão aflitos, agora, sem que percebam que, por muito importante que a China seja para a Rússia neste contexto (e é-o), nunca aquela terá capacidade para desviar a grande nação eslava do seu foco estratégico: defender-se da ameaça americana, que não só é real, como na sua percepção se agiganta, fazendo aparecer toda a sorte de fantasmas. 

Como qualquer historiador dirá, a história da Rússia é feita de conquistas e perdas. Está-lhe inscrito na pele, também por ser demasiado grande para que pudesse ser diferente. China ou Estados Unidos serão sempre mais um. 

5 versos de Fernando Jorge Fabião

«escreve / nos veios da terra / no cereal profundo / nos rostos apagados / pela melancolia do mundo» Nascente da Sede (2000)

ucraniana CCXXXIX - decidam-se, caraças!

No sábado à noite, se a memória não me atraiçoa, a Prof.ª Diana Soller dizia que o ceo de França, Macron, previa a possibilidade de mandar tropas para o teatro ucraniano, para não ter depois de combater os russos nas fronteiras da Polónia ou dos estados bálticos (todos membros da Nato, recordo); ou, quem sabe, defender as fronteiras da própria França... Há pouco, apanhei o final de uma intervenção da correspondente da sic na Ucrânia, Iryna Shev, segundo a qual, alguém que não descortinei, considerava não terem os russos força suficiente para tomar Kharkiv...

Decidam-se, caraças. O poviléu de tão enganado não só já não sabe o que há-de-pensar, pelo menos até ao dia em que lhe venham dizer que os filhos têm de ir para a frente lutar pelos nossos valores -- normalmente transaccionados em dólares --, assim um pouco como sucedeu com os jovens portugueses que, a partir de 1961, foram defender a pátria para sul do equador, não só com enorme justiça mas também grande proveito. 

segunda-feira, maio 06, 2024

Jürgen Petrenko, Noel Edison, «As Bem-Aventuranças» (Arvo Pärt)

ucraniana CCXXXVIII - com meias-palavras ou directamente, estes querem-nos alinhados numa guerra contra a Rússia. E os interesses de Portugal onde páram?

Três-artigos-três, na mesma edição do Diário de Notícias, a de sábado, que traz a sempre lúcida coluna de Viriato Soromenho Marques -- desta feita sobre marcelices, só muito de raspão aflorando a questão ucraniana, que inconsciente e criminosamente se vai tornando assunto nacional.

Pois bem, o primeiro artigo, do general Valença Pinto, ex-CEMGFA, em «Segurança e Defesa da Europa. Um tema urgente e obrigatório», em que só praticamente o título está certo, começa por falar na "inaceitável invasão" da Ucrânia pela Rússia. Sobre o cerco da Nato ou os mísseís instalados na Polónia (creio), alegadamente para dissuadir o Irão (!), já para não falar da preparação da adesão da Ucrânia à NATO, tudo razões mais do que justificativas para que a Rússia procedesse como o fez, nada diz. (Talvez sejam fantasias; ou propaganda, ver Serronha em baixo). Traça um quadro que me parece correcto no Norte de África e no Sahel -- terrorismo islâmico, tráfico, criminalidades várias --, para sustentar que a influência da Rússia e da China atentam contra os nossos interesses. Ora, parece-me que salvo nos aspectos atrás referidos, os nossos interesses ali não coincidem com os dos franceses (americanos e russos dividem neste momento uma base no Níger...), o que me parece ser um erro grave para um analista militar português; e depois também não seria mal pensado avançar as razões pelas quais os franceses foram chutados vergonhosamente das antigas colónias, A Meloni já explicou porquê. .Mas o general Valença quer fazer-nos crer que, por exemplo, os interesses franceses e portugueses em política externa, especialmente em África, coincidem. Pois só muito parcialmente isso sucede. O general dá ainda de barato a basófia do Trump quanto à Nato. Eu já me enganei muitas vezes, mas ainda não vi lógica nenhuma em que um império global como o americano se desembarace assim dum semi-continente obediente, cujos dirigentes, na sua maioria, não passam de valetes débeis. Claro que haverá sempre a possibilidade terrífica de os Estados Unidos entrarem em guerra civil, mas quem adivinha o futuro? Repetindo-me: sou pelo serviço militar ou serviço cívico obrigatórios, para ambos os sexos, com uma filosofia de base diferente do anterior SMO, mas não de certeza para, por estupidez, fraqueza ou traição, mandarmos os jovens portugueses para a morte em nome dos interesses americanos, ou franceses. A defesa de Portugal compete ao povo português, não a mercenários nem a outros países.

No mesmo número, de Patrícia Akester, especialista em Direito de Autor, publica  «Barómetro Geopolítico: Alta pressão, tempestades à vista, risco de conflito global e um guarda-chuva hegeliano», título arrevesado que não esconde o império da banalidade, do lugar-comum. A citação de Hegel com que nos pipoqueia, aplica-se como uma luva à autora. Nem mereceria comentários, a não ser o carregar na tecla da iminência de uma III Guerra Mundial. Não que ela não seja um perigo real, mas aqui só serve para assustar e encarreirar o rebanho. De resto, como já disse a luminária que está nos Negócios Estrangeiros, "não devemos ter medo dos russos". Repetindo-me outra vez: eu cá dos russos não tenho medo nenhum, tenho é daqueles que alegremente nos andam a empurrar para uma guerra como eles, a começar agora pelo improcriável Macron, que a "Africa Francesa" deitou para o caixote do lixo. (E foi muito bem feito.)

Finalmente, o inevitável Serronha, em «A guerra cognitiva e a guerra das narrativas: a relevância das operações de influência nas guerras», crochetou um texto em que alerta para as enormes capacidades propagandísticas da Rússia e da China, como se não tivéssemos assistido desde a invasão da Ucrânia à maior acção de condicionamento e lavagem cerebral da opinião pública ocidental -- como bem escreveu Miguel Sousa Tavares --, de tal maneira que até finlandeses e suecos se apavoraram com esta quase débil Rússia (em comparação com o poder soviético, em que esses países se mantiveram neutrais, aliás com vantagens para todos), condicionamento que passa pela censura descarada exercida pela UE, que quer proibir o "povo" de ver canais russos por cabo, em inglês, num forte assomo de liberalismo. Serronha propõe ainda mais skills e recursos humanos para a batalha da propaganda (que é real), sob pena de um "desastre estratégico". Desastre estratégico é para onde nos leva as lideranças europeias (que os próprios comentadores prò-Pentágono identificam como fracas), que transformou a UE numa entidade vassala e obediente aos desígnios estratégicos do império americano; desastre estratégico são os governos como o de António Costa e, está visto, o de Montenegro, que nos apequenam, quer na ausência de uma ideia estratégica nacional que não passe por sermos um dos cães dos Estados Unidos, e não uma voz, por acaso secular (estou a repetir-me outra vez), com fortes laços ao Atlântico Sul -- vantagem estratégica que deitamos pela borda fora enquanto nos babamos com a possibilidade do imprestável (exceto na crise da Covid-19) ex-primeiro-ministro possa ser corta-fitas da UE. Os portugueses foram sempre uns basbaques com o "estrangeiro".

Isto tudo num Sábado, que culminou à noite com variedades, animadas por Diana Soller -- não tenho o link --, com disparates vários, um dos quais foi a sua explicação para  a chamada de atenção por parte da Itália para o despropósito e a inconveniência das declarações do improcriável Macron. De acordo com a nossa especialista, elas, as declarações, devem-se a isto: "medo".  São uns valentaços estes comentadores. Mais valera a mui católica Prof.ª Soller, colaboradora do portal dos jesuítas, prestasse atenção e seguisse com cordura as opiniões do maior jesuíta do nosso tempo, que por acaso é o Papa Francisco. Mas nem sempre a Prof.ª Soller se espalha ao comprido. Logo no início da sessão, um patetinha cujo nome não me ocorre arranca com uma das mais asnáticas perguntas que já ouvi sobre esta guerra (ou então já estamos em modo pavloviano), e era ela sobre se a inclusão de Zelensky na lista dos mais procurados pela Rússia não seria um sinal de desespero de Moscovo. Ahahah, caraças... Felizmente para o canal, a senhora respondeu bem.


serviço público

 Manuel João Ramos, «Reparações imBRICadas».

estão à espera doutro Alcindo Monteiro?

Alcindo Monteiro
A escória que atacou, cobardemente, imigrantes no Porto, na sua condição de animais, de cães-de-fila , de marionetas perigosas, são consequência de laxismos vários. O laxismo do Tribunal Constitucional (TC), para começar, que permite a existência de organizações políticas com discurso racista e xenófobo. Não apenas o folclórico (porém, perigoso) Chega, passando pelo neo-fascista Ergue-te, poucos mas maus, e os subgrupelhos adjacentes aos quais se deve dar caça. e quanto mais cedo melhor. Mas para isso, torna-se necessário que o TC exerça a a suas competências e ilegalize essas organizações, pelos programas e/ou pelo discurso, que afrontam o país, para não falar da Constituição. Depois é julgá-los e pô-los na choça. Ou estão à espera doutro  Alcindo Monteiro ? 

Leio que a PJ e as "secretas" estão em campo. Veremos que consequências práticas isso terá. Para já, os crimes de ódio, a violência xenófoba, causam alarme social, independentemente do gás mediático que lhe dêem. Se não matam a serpente no ovo, será depois cada vez mais difícil. Proibir, perseguir, punir exemplarmente. Sem isso, não há democracia possível.


3 versos de Cesário Verde

«Era um municipal sobre um cavalo. A guarda / Espanca o povo. Irei-me; e eu, que detesto a farda, / Cresci com raiva contra o militar.» O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

domingo, maio 05, 2024

3 versos de Alberto de Lacerda

«A casa surgiu-me inesperada na floresta. / Que melancolia, no mistério / da sua solidão perfeita.!» 77 Poemas (1955)

sábado, maio 04, 2024

serviço público

 Carlos Matos Gomes, «A sociopatia e a compreensão das reparações coloniais».

4 versos de José Régio

«Ai vida sem alegria, / Sem desespero nem nada!... / A gente deita-se: É noite. / Levanta-se a gente: É dia...» As Encruzilhadas de Deus (1936)

sexta-feira, maio 03, 2024

Bob Marley, «Forever Loving Jah»

curtas

«A melhor das putas, a mais quebradiça e esquinada, conservada de luar e de exercício, ajoelhou-se aos pés dele e abraçou-lhe as pernas, dizendo frases que o senhor pode ler na tela do Pintor, em onomatopeia, que está agora no museu, por decisão camarária, das dez ao meio-dia e das duas às quatro.» Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez (1984) «Eu já sabia que aquele povo subalimentado iludia o estômago com litradas de água e montes de verdura, às vezes ervas selvagens, numa sede provocada pelo sal dos alimentos.» Fernando Namora, «História de um parto», Retalhos da Vida de um Médico (1949) «Mesmo emigrados, não esqueciam a Virgem Nossa Senhora: ainda estava para aparecer o primeiro que, meses andados, não Lhe mostrasse a sua gratidão e grau de prosperidade enviando jóias e dinheiro, lá desde os confins da Califórnia, para Lhe serem ofertados, mais jóias, até, que dinheiro porque não havia, na Ilha, onde cambiá-lo.» Assis Esperança, «O dinheiro», O Dilúvio (1932)

4 versos de Mário de Sá-Carneiro

«Tristes mãos longas e lindas / Que eram feitas p'ra se dar... / Ninguém mas quis apertar... / Tristes mãos longas e lindas...» Dispersão (1914)

quinta-feira, maio 02, 2024

quadrinhos

fonte

 

caracteres móveis

«A Noroeste, o recorte esguio e cinzento de Sintra servia de pano de fundo à extensa planície que até lá se espraiava em mancha ora verde das relvas, ora amarelecida dos pastos no Outono, ora branca das povoações caiadas que a salpicavam e nas quais, aqui e ali, começavam a tremeluzir, ainda medrosas, as primeiras luzes.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«E em arroubos de apaixonado, envolveu-a na carícia dum tal olhar que a mole inerte pareceu vibrar, estremecer em frémitos de amor, transfigurada e viva na luz doirada que a beijava.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)

«Vinha certeiro no silêncio e experimentava fortemente as árvores, que durante um segundo descreviam um círculo cheio, como piões no torpor.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

4 versos de Armando Taborda

«Sou poeta / de índole calma / o sol está-me à porta / da alma.»  Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1996)

palavras odiosas

Sibilino. Representa tudo o que eu mais detesto; uma ironia cobarde e efeminada que frequentemente revela despeito e inveja.

quarta-feira, maio 01, 2024

caracteres móveis

«Da sua existência, Juvenal recordava apenas a tarde em que o pai volvera de uma caçada, trazendo, com a pelagem aqui e ali empastada em sangue, alguns pequenos coelhos -- únicas vidas que saltitavam de fraga em fraga, na terra que, de tanto estar sepultada em água, não tinha água que se bebesse.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933)

«Mas eu crescera, agora zurzia-me de outro modo, a face dura, coriácea, a palavra seca, reduzida ao essencial da agressividade.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)

«No olfacto desabituado de Henrique de Souselas o cheiro resinoso e activo das pinhas e das agulhas secas dos pinheiros, queimadas no lar, produziam sensações muito longe de serem agradáveis.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

3 versos de José Régio

«Em frente, no meu espelho, / Alguém me espreita, / Alguém me atrai, me repele.» As Encruzilhadas de Deus (1936)

caracteres móveis

«E imediatamente, a mão à pressa por todo o corpo, pelas nádegas, pelas mamas / -- ...que me magoa / atirados de escantilhão sobre a cama, a minha cólera em pé, enrodilhados, escabujados até à aniquilação.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983)

«O pai de Teresa não embicaria na impureza do sangue do corregedor , se o ajustarem-se os dois filhos em casamento se compadecesse o ódio de um com o desprezo do outro.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

«Um pé de vento abalou as faias e os cedros, levantando-lhe a ponta do casaco e uma mecha de cabelo.» Vitorino Nemésio, Mau Tempo no Canal (1944)

terça-feira, abril 30, 2024

Bob' Seger, «Mongrel Too»

na UE liberal, os bascos comem e calam (às vezes)

As eleições dos passado Domingo no País Basco espanhol deram um empate entre os dois partidos nacionalistas, o PNV, conservador, e o EH Bildu, da esquerda pós-ETA, que terá renunciado à acção armada. Isto é interessantíssimo, demonstrando que em Espanha e na liberal UE, a democracia e o liberalismo só servem se estiverem de acordo com os sistemas de poder. Um direito básico como o da autodeterminação é negado, pela força, claro. 
Gosto sempre de lembrar este iliberalismo quando as marionetas de turno ou os pobres scholars escalados para o comentário, não vêem ou não querem ver (progressão na carreirazinha oblige) um palmo à frente do nariz.

2 versos de Carlos Queirós

 «Por dentro, quem sabe / O que as coisas são?!» Desaparecido (1935)

curtas

«Compareceu de coração apertado, o chapéu a passar-lhe inquieto de mão para mão, defronte de um funcionário de ar severo e compenetrado, que lhe leu uma lenga-lenga qualquer de que ele não entendeu rato.» A. M. Pires Cabral, «O saco», O Diabo Veio ao Enterro (1984) «Em Fafe há sempre umas quadrilhas que dão febra e grandeza ao quadriculado do baixo Minho.» Ruben A., «Branca», Cores (1960) «O Luisinho chegou ao portão e o senhor Joaquim não o podia mandar afastar porque o tratava por menino Luisinho.» António Alçada Baptista, Uma Vida Melhor (1984)

segunda-feira, abril 29, 2024

John Coltrane, «Syeeda's Song Flute»

caracteres móveis

«A apaixonada menina escrevia-lhe a miúdo, e já dizia que a ameaça do convento fora mero terror de que já não tinha medo, porque seu pai não podia viver sem ela.» Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

«Ambos suspenderam a marcha, olhando o Sol, que em fogo naufragava no mar.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)

«Ao longe, por detrás do segundo barco, mostravam-se as Desertas, negras na manhã radiosa, mas pousadas em mar tão manso que, mais do que ilhas atlânticas, dir-se-iam contrafortes dum lago.» Ferreira de Castro, Eternidade (1933) 

1 verso de Fernando Assis Pacheco

«cedo à "inspiração" para anotar o dístico há mais de um ano tentando a sua vez de ser um fecho aceitável» Siquer Este Refúgio (1976)

indemnizações, um problema mal posto

Se vierem dizer-me que Portugal deverá reparar Angola, Guiné e Moçambique pela Guerra Colonial, matança levada a cabo entre 1961 e 1974 -- a começar pela dos próprios portugueses criminosamente arrebanhados como carne para canhão --, serei o primeiro concordar. Um crime é um crime, é um crime e é um crime, terá de haver sempre uma reparação. A este crime junto outro, ainda mais obsceno: a figura do "contrato", praticado em relação a angolanos que iam trabalhar para São Tomé e Príncipe, que, no fundo não era mais do que escravatura disfarçada em pleno século XX.

Quanto à escravatura e tráfico negreiro que praticámos com diligência entre os século XV e XIX, trata-se de uma idiotice propor indemnizações. Indemnizar quem? E quem indemniza? Portugal? E os povos africanos que negociavam com os portugueses esse torpe comércio? E o estado brasileiro, que teria de estar na primeira linha do ressarcimento, no caso de haver lugar? O esplendor do wokismo analgabeto.

O assunto interessa-me como historiador; e, já agora, como particular. Sou bisneto de uma mulata brasileira, logo, de origem escrava. Digam-me lá então qual é o pecúlio que me cabe. 

domingo, abril 28, 2024

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4 versos de Sebastião da Gama

«Pecado, Amor? Pecado fora apenas / não fazer do pecado / a força que nos ligue e nos obrigue / a lutar lado a lado.» Pelo Sonho É que Vamos (póst., 1953)

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«A sua voz era baça e trémula, como a das criaturas que não esperam nada, porque é perfeitamente inútil esperar.» Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego - por Bernardo Soares (póst., 1982) / «E tinham-lha dado sem reserva, confundidos com aquele amor, assombrados por tal fé, convictos, finalmente, de que só ele podia salvá-la, que se ele a não amparasse, a catedral se desagregava em pó, na derrocada irremediável que a deixaria rasa ao solo.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920) / «Todas as palavras que se empregam têm, além da significação banal, uma significação que cada um pesa e calcula -- e outra significação superior.» Raul Brandão, Húmus (1917)

sábado, abril 27, 2024

2 versos de A. M. Pires Cabral

 «Mas ainda é tão cedo. Ainda estou / a meio do banquete de viver.» Caderneta de Lembranças (2021)

Billie Holiday, «Them There Eyes»

sexta-feira, abril 26, 2024

150 portugueses: 41-45

41. Leopoldo de Almeida (1898-1975). Escultor modernista, dos maiores da arte portuguesa, é sua a extraordinária estatuária do Padrão dos Descobrimentos. Pai da artista plástica Helena Almeida.

42. D. Manuel I (1469-1521). Apesar de neto de D. Duarte e irmão da rainha D. Leonor, teve a ventura de o trono lhe cair no colo, sem saber ler nem escrever. É o rei da nossa idade de ouro (Gama, Cabral, Albuquerque, Gil Vicente, Camões...), coligiu e renovou a  legislação nas Ordenações Manuelinas, criador e confirmador de concelhos. Deu nome a um peculiar gótico tardio, o «manuelino». O Mosteiro do Jerónimos é, no fundo, o seu jazigo...

43. Nuno Gonçalves (1420/30 - c. 1490). Pintor de que pouco se sabe, não havendo sequer a certeza se terá sido mesmo o autor dos Painéis, o maior tesouro da pintura portuguesa de todos os tempos. 

44. D. Pedro I (1320-1367). Um tresloucado que reinou por uma década, protagonista real de uma das grandes histórias de amor da humanidade, para a qual deu contributos decisivos, v.g. os túmulos, dele e de Inês de Castro, em Alcobaça, conhecida e pasmada em todos os azimutes.

45. Raul Lino (1879-1974). Arquitecto de mão-cheia, não é o criador da chamada casa portuguesa, sendo contudo seu teorizador e prático, e à qual o seu nome ficou ligado.

2 versos de Manuel Bandeira

«Gosto de samba e de fado, / Portugal, meu avozinho» Berimbau e Outros Poemas  (antologia por Elias José)

quinta-feira, abril 25, 2024

José Afonso e Ferreira de Castro sobre o 25 de Abril

Sempre!


 

4 versos de José Afonso

«Trovas e cantigas muito belas / Afina a garganta meu cantor / Quando a luz se apaga nas janelas / Perde a estrela d'alva o seu fulgor» José Afonso (coord. José Viale Moutinho, 1972)

quarta-feira, abril 24, 2024

José Afonso, «Os Vampiros»

2 versos de Fernando Jorge Fabião

 «A biblioteca / é uma concha de silêncio.» Nascente da Sede (2000)

terça-feira, abril 23, 2024

Francisco Fanhais, «Porque»

caracteres móveis - Ferreira de Castro (1898-1974)

«Com os rebanhos, idos do sertão do Nordeste, demandavam a selva exuberante todos os aventureiros que buscam pepitas de oiro ao longo dos caminhos do mundo.» A Selva (1930) 

«Era um sonho denso, uma ambição profunda que cavava nas almas, desde a infância à velhice.» Emigrantes (1928) 

«O "Avelona Star" cruzava-se com outro navio do mesmo armador e os seus silvos trouxeram Juvenal à vida do momento.» Eternidade (1933)

2 versos de Luísa Dacosta

«Como quem procura conchas à beira do mar, / escolho as palavras para te dizer.» A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

caracteres móveis - Eça de Queirós (1845-1900)

«Naquele tempo o rio ia muito vazio; pedaços de areia reluziam em seco; e a água baixa arrastava-se com um marulho brando, toda enrugada do roçar dos seixos.» O Crime do Padre Amaro (1875/1880) 

«Num camarote, vestida de cor lilás, com o cabelo enchumaçado em capacete, estava a viscondessa dos Rosários, branca e gorda, cuja virtude escandalizava Lisboa, a ponto de se gritar dela com impaciência e cólera: que estúpida, que estúpida, Santo Deus!» A Tragédia da Rua das Flores (1877-78/1980)

«Procurava a rima já interessado, quando um sujeito baixote e bochechudo, de bonezinho escocês, apareceu à grade da estação, com uma chapeleira de papelão azul, a galhofar com duas raparigas que o seguiam, oferecendo-lhe ovos moles ou mexilhões, para ele levar para Lisboa.» A Capital! (1875-76/1925)

segunda-feira, abril 22, 2024

ucraniana CCXXXVII - nem com farinha Maizena


Disse o novo ministro dos Negócios Estrangeiros, em tom paternalista, que  não nos devemos deixar intimidar pelo Kremlin, saudando a primeira fase dos milhões aparentemente desbloqueados, com que a Ucrânia irá comprar mais armamento aos americanos para se suicidar nas nossas barbas e com a ajuda moral do Ocidente. Regime extraordinário o de Zelensky: com ele, os ucranianos endividam-se para se matarem. É trágico. 

Depois de Cravinho, só me faltava Rangel. Eu tenho muito mais medo do Pentágono e da CIA, porque estão mais perto dos mansos úteis aqui do rectângulo, para não falar nas adjacências. O que Rangel representa, como de resto Cravinho, é apenas a nossa rendição aos ditames de terceiros, preparando-nos para os gastos, e, como um azar nunca vem só, sabe-se lá o que mais. 

Nada a que não estejamos habituados, de resto: vai fazer agora 50 anos que terminava o morticínio colonial, mancebos arrebanhados à má-fila em todas as Berças deste país, para que suas bandalhas incelências, no governo da nação, pudessem, "Portugal, do Minho a Timor", bolsar mentirolas indecorosas.

[Já agora, a crónica de Viriato Soromenho Marques, como sempre, no Diário de Notícias«A herança traída de Immanuel Kant», serviço público.]

2 versos de Antero Abreu

«E é sobre tudo o silêncio das coisas / O triste silêncio das coisas silenciosamente tristes» Poesia Intermitente (1987)

Duke Ellington, «Just A-Sittin' and A-Rockin'»

sábado, abril 20, 2024

2 versos de Alberto de Lacerda

 «tudo me pertence como a flor / pertence ao perfume adormecido» 77 Poemas (1955)

sexta-feira, abril 19, 2024

quinta-feira, abril 18, 2024

150 portugueses: 36-40

36. Domingos Sequeira (1768-1837). Pintor de transições: de estilos (do neoclassicismo para o romantismo) e de regimes (do absolutismo para o liberalismo, com as Invasões Francesas pelo meio). A pintura doméstica, os retratos familiares -- esplêndido.

37. D. Fernando II (1816-1885). O grande rei consorte, extraordinário na atenção ao património histórico e à arte do seu tempo. Com ele, Portugal ficou menos pobre.

38. Gaspar Corte-Real (c. 1450-1501). O destemor do desconhecido -- ou a coragem de vencer o temor... -- e a condição trágica de uma família desaparecida quase toda nos mares do Atlântico Norte.

39. Henrique Pousão (1859-1884). Único na nossa pintura, país com demasiados génios artísticos precoces na morte: Cesário (seu contemporâneo), António Nobre, Amadeu, António Fragoso, Mário Botas

40. D. João II (1455-1495). Uma das figuras-chave dos Descobrimentos e, principalmente, da expansão; centralizador do poder régio; herdeiro e vingador do avô, D. Pedro, o regente que fora o Infante das Sete Partidas.

3 versos de Fernando Assis Pacheco

«acho tudo belo a Primavera no fim as árvores da praça / adormeceria aqui sentado / repleto com a minha meia idade atordoante»  Siquer Este Refúgio (1976)

quarta-feira, abril 17, 2024

Bob Marley & The Wailers, «Could You Be Loved»

4 versos de Rui Knopfli

«Tudo entre nós foi dito, / olhamos o apodrecer do parque, / o vento, o crepitar leve das folhas / e, sem ressentimentos, dizemos adeus.»  O País dos Outros (1959)

terça-feira, abril 16, 2024

Bob Seger, «Leanin' on My Dream»

2 versos de Sebastião da Gama

«Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado / antes do Sol, não duvidava agora).»  Pelo Sonho É que Vamos (póst., 1953)

segunda-feira, abril 15, 2024

quadrinhos

fonte

 

4 versos de José Régio

«Sonhei que ela me espera, adormecida / Desde o começo da vida, / Nua, deitada sobre as tranças de oiro, / Guardada para mim como um tesoiro.» As Encruzilhadas de Deus (1936)

domingo, abril 14, 2024

o lugar dos mitos


Napoleão Bonaparte é uma das poucas personagens de carne e osso que encontra lugar junto dos mitos, de Aquiles ou de Ulisses, ou se quiserem, que poderiam ser heróis da DEC ou da Marvel. Ele, Alexandre o Grande, Júlio César, Carlos Magno, Rodrigo Díaz de Bivar -- El Cid, Afonso de Albuquerque, Francis Drake...  
Incomensurável, megalómano e meteórico, a sua medida é de outra natureza, espécie de herói da DC ou da Marvel no nosso imaginário. É por isso despropositado, creio eu, pedir um quimérico rigor histórico a um filme de Hollywood. É o Napoleão de Ridley Scott e David Scarpa, e será por aí que teremos de o avaliar. 
Vi-o a medo em Novembro, com o «Gladiador» na memória, de que não gostara. Não sendo um filme inesquecível, tem dois desempenhos esplêndidos (Joaquin Phoenix e Vanessa Kirby) e grandes e boas cenas de batalha, das que ficam e põem o filme à beira do filmaço.

3 versos de Alexandre O'Neill

«Se eu não estivesse a dormir / perguntaria aos poetas / A que horas desejam que vos acorde?»  Tempo de Fantasmas (1951) 

sábado, abril 13, 2024

caracteres móveis

«Certa noite, eu erguera-me cauteloso, saíra sem ser ouvido, ia ter com a puta Adelaide que morava no Termo, o outro extremo da aldeia, eu morava no Cabo, que era o oposto.» Vergílio Ferreira, Para Sempre (1983) / «Depois, na madrugada clara, recobrada a lucidez e acalmada a febre, a confiança renascera ao saudar a velha amiga, toda gloriosa e soberana na poeira de oiro das suas ruinas.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920) / «Num e noutro ponto deparavam-se-lhe já algumas casas de tectos de colmo, de cujas inúmeras fendas saía um fumo espesso, que a atmosfera húmida mal deixava elevar nos ares.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

serviço público

 Viriato Soromenho Marques, «As areias que sopram do futuro».

«California»

4 versos de Cesário Verde

«Quando, se havia lama no caminho, / Eu te levava ao colo sobre a greda, / E o teu corpo nevado como arminho / Pesava menos que um papel de seda...» O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

sexta-feira, abril 12, 2024

John Coltrane Quartet, «Spiral»

1 verso de Mário de Sá-Carneiro

 «--Onde existo, que não existo em mim?» Dispersão (1914)

curtas

«Cá fora, na rua, estava o senhor Joaquim, o dono do macaco e uma data de gente a que os jornais costumavam chamar "populares".» António Alçada Baptista, Uma Vida Melhor (1984)«Ele tirava o chapéu e ela abria a sombrinha sem que se passasse qualquer outra ligação entre eles.» Ruben A., «Branca», Cores (1960) «Quando voltei ao pátio, o velho espremia as mãos e falou-me como se tivesse as maxilas retesadas.» Fernando Namora, «História de um parto», Retalhos da Vida de um Médico (1949)

quinta-feira, abril 11, 2024

150 portugueses: 31-35

31. Salgueiro Maia (1944-1992). O operacional da tomada do poder na Revolução. Idealista e incorruptível, pagou cara a façanha de ser um homem sério num país que não presta. Está nesta lista por todos os militares de Abril.

32. Vasco Gonçalves (1921-2005). O seu nome liga-se a um epifenómeno revolucionário numa país de meias-tintas, bisonho e manhoso: o PREC, também conhecido por gonçalvismo. Um meteoro na História de Portugal, suficientemente incisivo  para lá permanecer.

33. D. Afonso III (1210-1279). Cabeça da oposição ao irmão, destituído pelo papa, Deixou-nos o rectângulo conquistado e um filho chamado Dinis.

34. Bocage (1765-1805). No liceu, foi-me apresentado como um dos poetas do pódio (com Camões e Pessoa). Pré-romântico instável, amoroso fulgurante e fescenino, excessivo e único.

35. D. Carlos I (1863-1908). Um rei "morto como um ladrão a uma esquina de Lisboa" (Raul Brandão). Diplomata, artista, oceanógrafo -- assassinado por uma conspiração em que políticos monárquicos manobraram uns simplórios republicanos exaltados. 

2 versos de Alberto de Lacerda

«O mundo foi alheio e a vida foi comprida / nos seus desenganos de coisa perdida.» 77 Poemas (1955)

quarta-feira, abril 10, 2024

Billie Holiday, «My Man»

7 versos de Fernando Namora

«E na mesma noite    noite boa    noite branca / fumei Estoril    Valetes    Kayakes e bebi Compal / depois da Salus e da Schweppes / fumei quilómetros e quilómetros de prazer / quilómetros e mais quilómetros -- há um Ford no meu futuro -- / mais facturas mais fomes mais prazer / e agora já não sei qual dos cigarros com filtro me soube melhor.» Marketing (1969)

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