terça-feira, janeiro 16, 2007

Uma leitura da «presença» #10

Branquinho
da Fonseca

Em 1927, a presença já tem a distância suficiente para verificar que a Grande Guerra, com os seus milhões de mortos, não havia tornado o mundo nem mais regenerado nem mais higiénico, como, em 1909, estética e politicamente pretendera o futuro fascista Marinetti; e a vida moderna fazia suficientemente parte do quotidiano para que suscitasse comparações histéricas entre o automóvel e a Vitória de Samotrácia (aliás, a revista fazia o prosaico réclame à «Garagem Simões», da Figueira da Foz...), ou provocasse entusiasmos como os de Maiakovski, que perdera o interesse pela natureza desde que vira a luz eléctrica. Não tinha cabimento um epigonismo -- aqui sim -- como o que claramente se verifica nos manifestos de Almada, ou as influências patentes em Álvaro de Campos (37), em especial no Portugal Futurista, exemplos de um contexto ideológico de revolta contra as ideias que atravessaram o «estúpido século XIX» -- como lhe chamou Léon Daudet, um dos executores morais de Dreyfus --, um século, apesar de tudo, do triunfo do liberalismo político, de que os mais importantes presencistas foram inteligentes e notáveis partidários. (38)
(37) Influências pelo menos quanto ao «assunto». Ver Fernando J. B. MARTINHO, Pessoa e a Moderna Poesia Portuguesa -- Do «Orpheu» a 1960, pp. 24-25.
(38) Notabilidade que se prende, para além da lucidez, com o risco com que essa afirmação liberal era feita. Régio, com um pensamento social-democratizante (ver Eugénio LISBOA, José Régio ou a Confissão Relutante, p. 22), bem patente nos textos doutrinários e em páginas do seu Diário Íntimo, funcionário público e público apoiante de Norton de Matos em 1949, tornado numa das bandeiras da frente comum de oposição ao Estado Novo (ver Fernando LOPES-GRAÇA, «Um discurso» [1949], Um Artista Intervém -- Cartas com Alguma Moral, Lisboa, Edições Cosmos, 1974, p. 144); Casais, entre todos o mais combativo opositor de Salazar, a quem dirigiu a célebre frase «A arte é, não serve.», carapuça enfiada por alguns neo-realistas (ver Adolfo Casais MONTEIRO, O que Foi e o que Não Foi o Movimento da Presença, p. 19), como tal sofrendo o banimento do seu nome na imprensa, a prisão e o exílio, socialista que com António Pedro, António Sérgio e o dissidente comunista José de Sousa, integrou, em finais dos anos quarenta, um núcleo constitutivo de uma formação política (ver Mário SOARES, «Um intelectual coerente», JL-Jornal de Letras, Artes e Ideias, Lisboa, 25 de Janeiro de 1994, p. 5); Branquinho, também ele funcionário público e conservador do Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães, um dos «principais organizadores» do MUD no concelho de Cascais (José Magalhães GODINHO, Pela Liberdade, Lisboa, Publicações Alfa, 1990, p. 46)
(continua)

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